A Conferência de Berlim (1884–85): Quando a África foi “dividida” pelas potências europeias
- Geo Expand
- 13 de mai.
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Introdução
A Conferência de Berlim, realizada entre 15 de novembro de 1884 e 26 de fevereiro de 1885, foi um marco decisivo na história do imperialismo europeu e na redefinição geopolítica do continente africano. Convocada pelo chanceler alemão Otto von Bismarck, a conferência reuniu representantes de 14 países europeus, além dos Estados Unidos e do Império Otomano, com o objetivo de estabelecer regras para a colonização e exploração da África. Este evento, frequentemente referido como a “partilha da África”, resultou na divisão arbitrária do continente entre as potências coloniais, desconsiderando as fronteiras étnicas, culturais e políticas existentes. As consequências dessa divisão ainda reverberam nas estruturas políticas e sociais africanas contemporâneas.
Causas do Conflito: O Imperialismo Europeu e a Corrida por Territórios
No final do século XIX, a Europa vivenciava um período de intensa expansão imperialista, impulsionada por fatores econômicos, políticos e ideológicos. A Revolução Industrial havia aumentado a demanda por matérias-primas e mercados consumidores, levando as potências europeias a buscar novos territórios para suprir suas necessidades. Além disso, o nacionalismo intensificado e a competição entre as nações europeias incentivavam a conquista de colônias como símbolo de prestígio e poder.
A África, com seus vastos recursos naturais e territórios ainda não colonizados, tornou-se o foco principal dessa corrida imperialista. As potências europeias iniciaram a ocupação de áreas africanas de forma desorganizada, gerando conflitos e disputas territoriais. A necessidade de evitar confrontos diretos entre as nações europeias levou à convocação da Conferência de Berlim, com o intuito de regulamentar a colonização do continente africano.
A Conferência de Berlim: Organização e Participantes
A Conferência de Berlim foi organizada por Otto von Bismarck, chanceler do Império Alemão, que buscava afirmar a posição da Alemanha como potência colonial emergente. Participaram da conferência representantes de 14 países europeus: Alemanha, Áustria-Hungria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Grã-Bretanha, Itália, Noruega, Países Baixos, Portugal, Rússia, Suécia e Império Otomano, além dos Estados Unidos. É importante destacar que nenhum representante africano foi convidado ou consultado durante as deliberações.
O principal objetivo da conferência era estabelecer regras para a ocupação e exploração da África, evitando conflitos entre as potências europeias. Entre os temas discutidos estavam a liberdade de comércio nas bacias dos rios Congo e Níger, a abolição do tráfico de escravos e a definição de critérios para a aquisição de territórios africanos.

Princípios Estabelecidos: A Ocupação Efetiva e a Partilha da África
Um dos principais resultados da Conferência de Berlim foi a adoção do princípio da “ocupação efetiva”, que estabelecia que uma potência europeia só poderia reivindicar um território africano se demonstrasse controle efetivo sobre ele, por meio da presença administrativa e militar. Esse princípio visava evitar reivindicações territoriais baseadas apenas em descobertas ou explorações, incentivando a ocupação direta das áreas colonizadas.
Além disso, a conferência reconheceu a liberdade de navegação nos rios Congo e Níger, com o objetivo de facilitar o comércio entre as potências europeias. A abolição do tráfico de escravos também foi reafirmada, embora na prática a exploração e o trabalho forçado continuassem a ocorrer em muitas colônias africanas.
A divisão do continente africano foi realizada de forma arbitrária, sem considerar as fronteiras étnicas, culturais ou políticas existentes. As potências europeias traçaram linhas imaginárias que separavam territórios e povos, resultando em uma fragmentação que teria consequências duradouras para a África.

O Caso do Congo: A Propriedade Pessoal de Leopoldo II
Um dos episódios mais emblemáticos da Conferência de Berlim foi o reconhecimento da posse do Estado Livre do Congo pelo rei Leopoldo II da Bélgica. Embora apresentado como um empreendimento humanitário e civilizatório, o Estado Livre do Congo tornou-se palco de uma das mais brutais explorações coloniais da história. Leopoldo II administrou o território como propriedade pessoal, impondo um regime de trabalho forçado e violência extrema para extrair recursos como borracha e marfim.
Estima-se que milhões de congoleses tenham morrido durante o período de domínio de Leopoldo II, devido a maus-tratos, fome, doenças e execuções. A pressão internacional e as denúncias sobre as atrocidades cometidas no Congo levaram à transferência da administração do território para o governo belga em 1908.
O Mapa Cor-de-Rosa e o Ultimato Britânico a Portugal
Portugal, uma das potências coloniais presentes na Conferência de Berlim, apresentou o chamado “Mapa Cor-de-Rosa”, que propunha a ligação territorial entre as colônias de Angola e Moçambique, atravessando o interior do continente africano. Essa proposta entrou em conflito com os interesses britânicos, que almejavam estabelecer uma rota contínua do Cairo à Cidade do Cabo.
Em 1890, o governo britânico emitiu um ultimato exigindo que Portugal abandonasse suas pretensões territoriais no interior da África. Diante da ameaça de conflito militar e da superioridade britânica, Portugal cedeu às exigências, gerando uma crise política interna e um sentimento de humilhação nacional. O episódio do Ultimato Britânico teve profundas repercussões na política portuguesa, contribuindo para o fortalecimento do movimento republicano e para a queda da monarquia em 1910.
Consequências da Conferência de Berlim: Fragmentação e Conflitos na África
A Conferência de Berlim teve impactos profundos e duradouros no continente africano. A divisão arbitrária dos territórios desconsiderou as complexas estruturas sociais, culturais e políticas existentes, fragmentando comunidades e unindo grupos étnicos rivais sob administrações coloniais comuns. Essa fragmentação contribuiu para a eclosão de conflitos internos e guerras civis após a independência dos países africanos no século XX.
Além disso, a exploração econômica intensiva e a imposição de sistemas administrativos estrangeiros desestruturaram as economias locais e enfraqueceram as instituições tradicionais. A herança colonial deixou um legado de desigualdade, instabilidade política e dependência econômica que ainda afeta muitos países africanos.
A Resistência Africana e a Luta pela Independência
Apesar da dominação colonial, diversos povos africanos resistiram à ocupação europeia, por meio de revoltas, guerras e movimentos de resistência. Exemplos incluem a resistência dos Zulus na África Austral, dos Ashantis na África Ocidental e dos Mahdistas no Sudão. Essas lutas, embora muitas vezes sufocadas pelas potências coloniais, demonstraram a determinação dos africanos em defender sua autonomia e cultura.
No século XX, os movimentos de independência ganharam força, impulsionados por líderes nacionalistas e pelo contexto da descolonização pós-Segunda Guerra Mundial. A independência de países como Gana, em 1957, marcou o início de uma nova era para a África, embora os desafios herdados do período colonial continuassem a influenciar o desenvolvimento do continente.
O Legado da Conferência de Berlim: Reflexões Contemporâneas
O legado da Conferência de Berlim é objeto de debates e reflexões até os dias atuais. A divisão arbitrária do continente africano e a imposição de estruturas coloniais deixaram marcas profundas nas sociedades africanas, contribuindo para conflitos étnicos, instabilidade política e desafios econômicos.
A compreensão desse legado é essencial para a construção de políticas que promovam a reconciliação, o desenvolvimento sustentável e o respeito à diversidade cultural na África. Além disso, a análise crítica do imperialismo europeu e de seus impactos pode contribuir para a promoção de uma ordem internacional mais justa e equitativa.
Conclusão: A Conferência de Berlim e a “Partilha” da África
A Conferência de Berlim representou um momento crucial na história do imperialismo europeu e na redefinição geopolítica do continente africano. A divisão arbitrária da África entre as potências coloniais, desconsiderando as realidades locais, teve consequências profundas e duradouras para os povos africanos.
A compreensão desse processo histórico é fundamental para refletirmos sobre as dinâmicas de poder, dominação e resistência que moldaram o mundo contemporâneo. Ao analisar criticamente o legado da Conferência de Berlim, podemos contribuir para a construção de um futuro mais justo, baseado no respeito à diversidade, na autodeterminação dos povos e na promoção da igualdade entre as nações.
Escrito por:
Nicoly Domingues Tejada da Silva
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