Da Revolução às Telas de Televisão: Como a Revolução Industrial influenciou no surgimento e desenvolvimento do futebol
- Geo Expand
- 17 de jun.
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Você já parou para pensar como surgiu o esporte mais popular do mundo? O futebol, que hoje movimenta rios de dinheiro, paralisa países em Copas do Mundo e é parte do cotidiano de milhões de torcedores apaixonados, nem sempre foi assim. Antes dos estádios lotados, das transmissões pela televisão e dos craques idolatrados, o futebol nasceu de forma muito mais simples e surpreendente.
Pouca gente imagina, mas a origem do futebol moderno está completamente ligada à Revolução Industrial inglesa do século XIX. Sem as fábricas, os trens, as novas cidades e as mudanças no ritmo da vida operária, talvez o futebol jamais tivesse se tornado o que é hoje. Como um país em rápida transformação social e econômica deu origem a esse fenômeno global? Como as engrenagens da industrialização ajudaram a moldar o esporte mais influente do planeta? Para entender o futebol de hoje e responder tais questionamentos, é preciso olhar para o passado, lá para os bairros operários da terra da rainha, os campos improvisados nas folgas de sábado e os primeiros clubes formados por trabalhadores. E assim verá a história de como a Revolução Industrial criou as condições para o nascimento e a popularização do futebol moderno.

Contexto Socioeconômico
Na virada do século XVIII para o XIX, a Inglaterra vivia um momento de transformações radicais. A Revolução Industrial, iniciada no país décadas antes, já havia alterado profundamente o tecido da sociedade. A invenção de máquinas a vapor, o surgimento de fábricas têxteis e a mecanização dos processos de produção geraram uma explosão de crescimento econômico, mas também impuseram novos ritmos e exigências ao cotidiano da população. Milhares de pessoas migraram do campo para as cidades em busca de trabalho, dando origem a centros urbanos superlotados, como Manchester, Liverpool e Birmingham.
Nessas cidades, a vida operária era marcada por jornadas exaustivas, salários baixos e péssimas condições de moradia. Os trabalhadores, inclusive mulheres e crianças, passavam até 14 horas por dia dentro de fábricas barulhentas, insalubres e perigosas. Já a elite britânica, composta por aristocratas tradicionais e uma nova burguesia industrial ascendente, desfrutava dos lucros da modernização e de uma vida confortável e distante da realidade das massas

Politicamente, o país caminhava para uma democracia liberal, mas ainda muito restrita: o direito ao voto era limitado, e os interesses das classes populares raramente eram representados no Parlamento. Esse ambiente contrastante, de avanço econômico e desigualdade social, formou o pano de fundo para o surgimento de práticas culturais e sociais que, aos poucos, começaram a expressar os anseios, identidades e até resistência da classe trabalhadora diante da rigidez do cotidiano das fábricas..
O Surgimento do Esporte
O futebol, tal como o conhecemos hoje, tem raízes muito mais organizadas e elitizadas do que se costuma imaginar. No início do século XIX, a prática de chutar uma bola em campo aberto já existia de forma rudimentar em algumas regiões inglesas, mas foi dentro dos muros das universidades e dos clubes aristocráticos que o esporte começou a tomar forma. A elite britânica, composta por jovens educados em instituições como Eton e Cambridge, via no futebol um passatempo nobre, ideal para cultivar valores como a disciplina, o espírito de equipe e a lealdade características do chamado “esporte de cavalheiros”. Era um jogo sem regras universais, variando de um lugar para outro, mas com forte valor simbólico para as classes altas.

2.1 Os Primeiros Torneios Na década de 1860, esse jogo até então caótico começou a se institucionalizar.
Em 1863, foi fundada a Football Association (FA), que buscava padronizar as regras e consolidar o futebol como um esporte organizado. Um dos grandes nomes desse processo foi Arthur Kinnaird, capitão do tradicional clube Old Etonians. Figura ilustre do esporte, Kinnaird participou de nove finais da FA Cup, vencendo cinco delas, e teve papel central não apenas como jogador, mas também como dirigente, tornando-se mais tarde presidente da FA por quase três décadas. Sua influência foi determinante tanto na consolidação da Football Association quanto na criação e popularização da própria FA Cup, instituída em 1871. Esse torneio, o mais antigo da história do futebol, simboliza o início das competições organizadas e serviu como base para a estruturação esportiva que conhecemos hoje. Não apenas isto mas a FA Cup, embora fosse um campeonato tecnicamente aberto a todos, era, nesse período inicial, dominada por equipes ligadas à elite, com recursos, tempo livre e acesso à organização formal.

2.2 O Dilema Social do Futebol
À medida que o futebol ganhava espaço nos campos ingleses, ele deixava de ser exclusividade das elites. Trabalhadores das fábricas e pequenos comerciantes começaram a se interessar pelo esporte, formando seus próprios times e organizando partidas informais em terrenos baldios e campos improvisados. Esse crescimento gerou um forte dilema social. As elites esportivas viam com desdém a presença operária, temendo que o futebol perdesse seu "caráter nobre". A ideia de que o futebol deveria permanecer como um “esporte de cavalheiros” não se sustentava diante do entusiasmo das classes populares, que enxergavam no futebol não apenas um passatempo, mas uma expressão coletiva de identidade, lazer e escape da rotina opressiva das fábricas.
2.3 A Ascensão dentre a Classe Operária
Paralelamente, nas pequenas cidades industriais, o futebol passou a pulsar como parte do cotidiano. Os clubes locais tornaram-se símbolos de pertencimento, orgulhos comunitários que mobilizavam multidões em jogos disputados com fervor. Um exemplo emblemático foi o Darwen FC, da cidade Darwen, movida quase exclusivamente pela indústria de algodão. Nessa realidade marcada por longas jornadas de trabalho e escassos momentos de lazer, o futebol surgiu como uma das poucas alegrias possíveis. A chegada do jogador escocês Fergus Suter, impulsionou o desempenho da equipe. Com ele, o clube alcançou as quartas de final da FA Cup em 1879, tornando-se o primeiro time operário a chegar tão longe na competição, até então dominada por equipes da elite. A comoção que isso causou, operários enfrentando nobres de igual para igual, revelou o potencial do futebol de mobilizar multidões e emocionar as massas. Em Darwen, o futebol se transformou em uma verdadeira expressão de identidade coletiva e resistência simbólica. Essa paixão crescente nas classes trabalhadoras abriu espaço para o debate que ganharia força nos anos seguintes: a inevitável profissionalização do futebol, que permitiria que homens comuns, como os operários de Darwen, pudessem viver daquilo que amavam, jogar futebol.

Os Caminhos para a Profissionalização
3.1 A popularização do futebol por toda a Inglaterra
Após ganhar as ruas, os campos vazios e os corações dos operários ingleses, o futebol rapidamente se transformou em um dos pilares da cultura popular britânica. No final do século XIX, o crescimento da prática esportiva por toda a Inglaterra foi exponencial. Cada cidade industrial, cada comunidade operária e até mesmo bairros dentro das grandes metrópoles, como Londres, desejavam ter seu próprio clube, seu símbolo local. O futebol deixava de ser um privilégio de poucos e se tornava um patrimônio de muitos
3.2 As primeiras transações e os primeiros salários
A explosão de popularidade levou à criação de mais clubes e ao aumento da competitividade nos campeonatos, em especial na FA Cup, que se tornava, a cada ano, mais disputada. O problema é que, até então, os regulamentos da Football Association proibiam qualquer tipo de remuneração aos jogadores. O futebol, ainda sob domínio moral da elite, devia manter-se amador: uma prática esportiva nobre, não um ofício. Porém, nas cidades fabris, onde os jogadores operários precisavam conciliar treinos e jogos com longas jornadas nas fábricas, a realidade falava mais alto.
Para competir em igualdade com os clubes ricos, que podiam escalar atletas com tempo e recursos para treinar, os clubes operários começaram a oferecer pequenas remunerações a seus jogadores. O escocês Fergus Suter é amplamente reconhecido como o primeiro jogador profissional da história justamente por protagonizar essa transição. Ele e seu amigo Jimmy Love vieram da Escócia para jogar no Darwen, recebendo ajuda financeira para abandonar seus empregos manuais e se dedicar exclusivamente ao futebol, algo inédito até então. Pouco tempo depois, Suter foi contratado pelo rival Blackburn Olympic, em uma espécie de “transferência” informal, na qual também recebeu para jogar. Ele já não precisava trabalhar nas fábricas: vivia do futebol.
Esses episódios, portanto, acenderam o debate e a pressão sobre a profissionalização. O Blackburn Olympic, tornou-se então símbolo da virada ao conquistar a FA Cup em 1883 contra clubes tradicionalmente da elite, revelando que o profissionalismo já existia, mesmo sem o reconhecimento formal. Jogadores recebiam bônus para migrar de clubes menores, passagens de trem eram pagas, hospedagens eram cobertas, tudo isso em nome da competitividade e da paixão pelo esporte.

3.3 O Desfecho
A partir daquele momento, a realidade pressionava a Football Association a se adaptar. O dilema moral se intensificava: manter o ideal elitista do amadorismo ou reconhecer que o futebol estava se transformando em uma atividade de massa, com dinâmicas sociais e econômicas próprias. A vitória dos operários em campo representava, simbolicamente, a vitória das camadas populares na disputa por espaço e protagonismo em um ambiente antes reservado à aristocracia. O futebol tornou-se um reflexo das transformações sociais em curso no Reino Unido industrial.
Em 1885, após intensa pressão e diante do avanço inevitável da prática, a FA legalizou a remuneração de jogadores, oficializando o profissionalismo no futebol inglês. Essa decisão marcaria uma nova era e o futebol deixava de ser apenas um jogo, consolidando-se como uma profissão, com atletas se dedicando exclusivamente ao esporte, clubes passando a atuar de forma mais empresarial, e o público operário crescendo como torcedor organizado e fiel.
A Expansão Global do Futebol
Com a legalização do profissionalismo e a institucionalização do futebol na Inglaterra, o esporte deixou de ser apenas um reflexo das transformações sociais britânicas e passou a se espalhar pelo mundo. O avanço do imperialismo britânico, a expansão comercial, os intercâmbios marítimos e o poder cultural da Europa facilitaram o caminho para o futebol cruzar fronteiras. Tripulações de navios mercantes, missionários, empresários e estudantes foram alguns dos agentes que, de forma direta ou indireta, levaram a bola de couro para portos distantes, campos improvisados e bairros periféricos de grandes cidades globais.
A influência do modelo inglês de clubes, torneios e federações rapidamente se replicou em outros países. Mas em cada canto do planeta, o futebol ganharia cores locais, significados sociais distintos e paixões únicas.
4.1 A Dissipação por Toda a Europa
Na Europa continental, o futebol ganhou força ainda no final do século XIX. Países como França, Itália, Alemanha e Espanha rapidamente aderiram à prática, criando clubes e federações nacionais. As rivalidades locais floresceram, e o futebol tornou-se elemento central das identidades regionais. A partir do século XX, os campeonatos nacionais europeus se consolidaram, e a criação de torneios continentais como a Liga dos Campeões da UEFA, mais tarde, firmou a Europa como o principal pólo técnico, econômico e cultural do futebol mundial.

4.2 América do Sul - do Berço dos Craques ao País do Futebol
O futebol chegou à América do Sul trazido por ingleses que trabalhavam em ferrovias e empresas comerciais. No Uruguai, na Argentina e, principalmente, no Brasil, o esporte foi rapidamente adotado pelas elites, mas logo caiu no gosto das massas. Ao longo do século XX, a América do Sul se tornaria berço de gênios da bola e de seleções históricas. A mística do futebol sul-americano passou a ser marcada por improviso, paixão, rivalidade intensa e envolvimento popular com destaque para o nosso Brasil, país do futebol, pentacampeão mundial e ícone do “futebol arte”. Aqui no Brasil e na Argentina, o futebol deixou de ser apenas um esporte: tornou-se parte essencial da identidade nacional. É sinônimo de cultura, alegria, pertencimento, música, dança e até religiosidade. Aqui, respira-se futebol nas ruas, nas escolas, nas conversas de bar e nos sonhos de milhões de crianças.

4.3 A “Futebolização” do resto mundo
Ao longo do século XX e XXI, o futebol se expandiu pelo mundo, alcançando cada vez mais regiões e consolidando-se como fenômeno cultural e instrumento de identidade nacional em diversas regiões.
Na América Central, o esporte tornou-se símbolo de coesão social e orgulho popular, mesmo diante de desafios econômicos.
Nos Estados Unidos, embora tenha enfrentado a concorrência de esportes mais tradicionais como basquete e beisebol, o futebol cresceu impulsionado pela imigração e pelo fortalecimento da MLS no século atual.
No restante da porção norte americana, México e no Canadá, já detinham uma base mais sólida, com destaque para a longa tradição mexicana principalmente em suas ligas nacionais e paixão dos torcedores fanáticos.
Na África, o futebol floresceu após a influência colonial europeia, revelando talentos e proporcionando participações memoráveis em torneios internacionais, que marcaram o cenário mundial.
Na Ásia, a profissionalização tardia deu lugar a um desenvolvimento acelerado e com grande aporte financeiro em países como Arábia Saudita, Coreia do Sul e China, com destaque para o mais tradicional Japão
Já na Oceania, Austrália e Nova Zelândia consolidaram ligas e seleções.
Conclusão
O futebol nasceu pequeno, um simples passatempo das elites inglesas em meio às mudanças da Revolução Industrial. Era apenas uma distração esporádica para jovens de escolas e universidades. No entanto, esse jogo de origem modesta logo se infiltrou nas cidades industriais, ganhou os corações das massas operárias e passou a crescer com a sociedade, até tornar-se o fenômeno global que conhecemos hoje. O que era lazer virou paixão, símbolo de identidade, motor de mobilização e expressão coletiva. O futebol é política, é cultura, é economia, e isso ficou claro ao longo de sua história.
Na política, o futebol se fez presente em momentos emblemáticos. No Brasil, a Democracia Corinthiana, liderada por Sócrates no início dos anos 1980, foi um movimento esportivo com fortes ecos políticos: num país sob ditadura, o elenco do Corinthians lutava pela participação popular e pelo voto direto, tornando-se um símbolo da redemocratização. Assim como na Europa, que desde os tempos da Revolução Industrial, clubes operários desafiavam a hegemonia aristocrática e até os dias de hoje mantêm-se em lutas por causas sociais. Culturalmente, o futebol move multidões: o jogo de domingo transforma o humor de cidades inteiras, torcidas tornam-se famílias, e clubes viram religiões seculares. Já no plano econômico, o crescimento é abissal, transferências milionárias, salários astronômicos e um mercado globalizado demonstram o valor econômico do futebol moderno.
Portanto, do chão de fábrica às arenas super modernas, o futebol nunca foi apenas um jogo: é um reflexo do povo e um furacão que move a sociedade.

É o povo, é cultura, é política, é FUTEBOL.
Autor: Matheus Gonçalves Pinheiro
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